Tentaram incendiar a Atalaia, surrar e enforcar opositores

Rádio Atalaia

Por Laércio Souto Maior:

Os dias que sucederam o golpe militar de 1º de abril de 1964 foram dias de ira. Aproveitando a situação política dramática e perigosa que o Brasil atravessava, homúnculos deixaram extravasar todo o seu potencial de crueldades e recalques. Dedando a torto e a direito, deixaram em polvorosa os quartéis e delegacias de polícias de todo o país. Nunca antes no Brasil tinha se visto, de uma só vez, tanta baixeza e mesquinharia. Em Maringá foi um Deus nos acuda…

As rixas pessoais, as idiossincrasias e as desforras vieram à tona causando prisões e desassossego nos lares. Violentos, conservadores e racistas, definindo o mundo como caótico, onde apenas os mais fortes sobrevivem, foram contidos durante a vigência da ordem constitucional emanada da constituinte de 1946. Finalmente, com o golpe militar sentiram-se com costas quentes e liberados para dar vazão ao seu delírio narcísico e prepotente.
Três fatos servem de testemunho daquela época sombria: primeiro, fui testemunha ocular da tentativa de depredação e incêndio da Rádio Atalaia de Maringá, emissora de rádio de propriedade do empresário Helio Barrozo, amigo pessoal do presidente João Goulart. A Rádio Atalaia, cuja concessão foi conseguida pelo deputado federal Renato Celidônio e Nelson Maculan (IBC), funcionava com endereço na Avenida Duque de Caxias, no centro de Maringá. Tudo aconteceu da seguinte maneira: liderada por agitadores da direita fascista, uma multidão se aglomerou em frente ao prédio onde funcionava a mencionada emissora de rádio. Por coincidência passava pelo local e me dirigi para o foco da agitação. Um dos fascistas, jovem e corpulento, incitava a turba para depredar e incendiar as instalações que, aos gritos, denunciava tratar-se de um dos quartéis-generais da conspiração comunista na cidade.
Atônito, no meio do povo, olhava abismado o absurdo da cena. Uma revolta imensa e impotente tomou conta de mim. Eis que um milagre aconteceu. Um senhor, bem vestido, segurando uma pasta de couro, provavelmente um viajante de empresa atacadista, subiu em cima de uns tijolos e, aos gritos, conteve a multidão que já se movimentava em direção à entrada da emissora para iniciar o quebra-quebra e depois incendiar a Rádio Atalaia. Com voz potente, o referido senhor alertou que a cidade é quem perderia, pois a rádio era um órgão de difusão cultural, que além de pertencer ao seu proprietário, prestava relevantes serviços à comunidade. Finalizou fazendo dramático apelo aos presentes, conclamando-os a se retirarem do local retornando para suas casas, acompanhando-o na dispersão. Como hipnotizados, todos se afastaram caminhando atrás do misterioso personagem que, até os dias de hoje, ninguém sabe quem era, de onde veio, para onde foi.
O segundo fato foi realmente inusitado. Waldemar Alegretti, gaúcho, jovem empresário filiado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), sem papas na língua, continuava a defender, dias após o golpe, o governo constitucional do presidente João Goulart. No calor dos acontecimentos, parou seu fusca vermelho na avenida Getúlio Vargas, área central da cidade, no horário de expediente bancário. De repente aproximou-se dele um desafeto acompanhado de um pequeno número de asseclas da União Democrática Nacional (UDN). Aos gritos, e usando como ridículo argumento final, apontou a cor vermelha do carro do militante do PTB como prova do seu “comunismo”. Em seguida, furiosos, jogaram uma corda numa frondosa árvore ameaçando enforcá-lo sob os olhares amedrontados dos transeuntes. Ao mesmo tempo, outro grupo dispôs-se a defender o gaúcho destemperado que não queria arredar o pé do local enfrentando corajosamente seus oponentes. Depois de muita discussão. Waldemar Alegretti, acompanhado dos amigos, retirou-se são e salvo da corda que ficou balançando na árvore. Vinte anos depois do episódio narrado, o “enforcado” assumiu a presidência da Companhia de Processamento de Dados do Paraná — Celepar e, posteriormente, foi Secretário de Estado da Justiça do Paraná, ambos os cargos no governo José Richa, do PMDB.
Finalmente, o terceiro episódio protagonizado pela direita fascista aconteceu na vizinha cidade de Mandaguaçu, quando o professor Salazar Barreiros, filiado ao PTB de Getúlio Vargas e João Goulart, e o vereador Emanoel de Moura, popularmente conhecido como doutor Moura, foram violentamente espancados pelos radicais militantes adeptos do regime militar, quando cruzaram com os manifestantes da “Marcha da Família com Deus Pela Liberdade” que festejavam a vitória do golpe. Décadas depois o professor Salazar Barreiros tornou-se um dos mais prósperos empresários do município de Cascavel e seu prefeito por duas vezes.
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(*) Laércio Souto Maior é escritor, historiador e jornalista pernambucano, radicado em Curitiba. Publicado originalmente na coluna História & Política, na edição impressa do jornal “O Diário do Norte do Paraná”, do dia 19 de agosto de 2017

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