O tédio no casamento

Tédio

Por João Batista Leonardo:

A vida comungada a dois clama que seja, minimamente, firmada em bases sólidas para a continuidade nos planos sociais, econômicos e sentimentais.
Convivi como médico no seio de famílias por mais de cinquenta anos e os casais desajustados que acompanhei foram tantos e tantos, pelos mais diversos motivos.

A união de um casal, nos tempos atuais é tentada de diferentes maneiras, mormente nas oferendas prazerosas da modernidade. Por tantas vezes, na busca delas o casal se desdobra no trabalho e nas obrigações e se desgasta naquilo que teria de ser constante e sublime: a convivência amorosa. Então, os propósitos mudam e o relacionamento amoroso conjugal vira tédio, devastando o entendimento, a afetividade e a libido com consequências imprevisíveis.
Valorizando os desacertos, fica evidente o grande aumento de separações de casais e cada um rumando para novas expectativas. Fernando Henrique Cardoso falou sobre os valores familiares: “Hoje em dia, todo mundo casa, descasa, não casa. Todo mundo tem filho aqui, tem filho ali…” Acho que deveria acrescentar: Fica aqui fica ali, transa ali transa aqui”.
A vivência dos cônjuges, na constância cotidiana da busca do dinheiro, vira rotina. Tolhem-se mutuamente, se anulam, se acusam, não dialogam e se desgastam no desprezo. Suas atribuições diárias justificam o cansaço físico; as preocupações justificam o desleixo; as mazelas justificam os desarranjos afetivos e sexuais. Então acaba o amor e até podem ficar amigos. Aí o tédio se faz de frente, porque a amizade é um sentimento de reciprocidade e o amor é um sentimento sublime de perdão, de doação e de erotismo.
A presença de filhos, se de um lado é incentivo e a razão de tantos casais, por outro lado pode ser empecilho na convivência, na sexualidade e no exercício da libido. Casais tomados por obrigações diárias, só encontram os filhos à noite e forçam a compensação, em detrimento ao enlevo afetivo entre si. Muitos afirmam estar nos filhos a maior causa de separação dos pais, embora seja postura discordante.
Um psicanalista afirmou publicamente: “O casamento é escravidão, me é a maior fonte de clientes; mulheres culpando o marido e filhos, maridos culpando a mulher e filhos e filhos culpando os pais e irmãos”.
Na união problema, o homem sente-se tolhido na liberdade de atitudes e no exercício sexual; a mulher restrita na liberdade sente-se tolhida nas pretensões.
Porque a natureza humana é frágil e dependente ela necessita de afago, carinho, companhia, apoio, amar e ser amada. O que não há no casal entediado. Aí vem o perigo de novas investidas, novos posicionamentos, o que inexoravelmente levam à separação. Buscar novo cônjuge é buscar novos defeitos.
Porque ninguém é perfeito, acho que a convivência harmoniosa dos casais está na inerência de cinco fatores: AMOR, RESPEITO MÚTUO, RENÚNCIAS, DIÁLOGO E TOLERÂNCIA.
O AMOR é o grande sentido da convivência conjugal, ele nasce na simplicidade e fica importante na continuidade. É a base de entendimento. É muito sensível e deve ser nutrido com dedicação, nas grandes e pequenas manifestações como, num grande feito, numa flor, num gesto, num afago.
No RESPEITO MÚTUO está a valorização do cônjuge nos sentidos profissional, pessoal e aparência. É o prazer de compartilhar a vida com alguém que admira e considera.
Na RENÚNCIA está a superposição dos valores da união em detrimento a outros desejos e procedimentos prazerosos. É a valorização da fidelidade conjugal em todos os sentidos, celebrada no ato matrimonial.
O DIÁLOGO é importantíssimo na harmonia do casal. É no diálogo franco e amigo que são quebradas as arestas, mostradas as verdades e onde são feitas as propostas de novas atitudes. É o entendimento.
Na TOLERÂNCIA reside o perdão, a humildade, o equilíbrio, que são forças na continuidade. Ninguém é perfeito e a tolerância de alguns dissabores fortifica em muito o casal. É preciso ser farto no elogio e comedido nas críticas; porque o elogia incentiva e as críticas ofendem, principalmente na presença de outras pessoas.
Cabe nos cinco fatores o pensamento de Garai no livro: Saber amar com o corpo: “O amor no casal autêntico é uma entrega total da própria pessoa, alma, coração, corpo, toda a própria vida, presente e futuro. São duas pessoas, uma só carne, uma só vida”.
A aventura fora do casamento, em qualquer circunstância é desastre no relacionamento conjugal, pois destrói o fator primordial: a confiança. Mesmo havendo perdão, a continuidade é como a colagem do cristal quebrado ou a cura do corte na carne, sempre ficará cicatriz.
O casamento é instituição como uma firma comercial, deve ter planejamento e normas determinadas. É firma administrada pelo casal e deve ser reciclado com balanços periódicos e ajustes.
Quando se desfaz um casamento, os maiores prejudicados são os filhos, porque perdem a união dos pais, que são seus maiores valores e ídolos. Tem consequências irreparáveis. Está provado que a maioria dos jovens problemas e a maioria dos usuários de drogas vem de famílias problemas.
O casamento ajustado é a maior fonte de felicidade. Um casal harmonioso é conhecido de longe, a aura da felicidade é brilhante e ganha contornos fortes. Na vida recebe as dificuldades como motivos de luta, fazendo das vitórias, festejos afetivos. É o testemunho recíproco de aceitação de defeitos e valorização das qualidades. É o entrelaçamento da luz dos âmagos, rompendo o fosco, buscando o brilho. É fortificar a fragilidade do amor na valentia da compreensão. É buscar, juntos, a proteção recebida na bênção nupcial e, na espiritualidade esperar a plenitude.
A harmonia dos casais é que justifica a união estável e tantos festejos nas bodas de prata, de ouro e de diamante.
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(*) João Batista Leonardo é médico e escritor em Maringá. Originalmente publicado no Jornal do Povo

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