Ex-diretor do Datasus critica governo por abandonar uso do software e-SUS Hospitalar

De Daniel Brunet, no Blog Emergência, no site de O Globo:

O médico Giliate Coelho Neto, que dirigiu o Datasus, em 2015, fez um artigo criticando a decisão do Ministério da Saúde, que, como saiu no Blog Emergência, está trocando o sistema de informática dos hospitais federais e do Inca. O e-SUS, um software público, está sendo substituído pelo da empresa MV Sistemas. Coelho Neto participou da equipe técnica do ministério criada para corrigir os problemas do e-SUS Hospitalar, apontados pelo TCU. Esforço – e gasto de dinheiro público – em vão.

Um dos principais responsáveis pela substituição é Jair Vinnicius Ramos da Veiga, um dos alvos da Operação Fatura Exposta, da PF, e suspeito de auxiliar Sérgio Côrtes, o ex-secretário de Estado de Saúde na gestão Sérgio Cabral, preso, terça passada, no esquema de corrupção em contratos de compra de material hospitalar. Ele é o atual diretor do Departamento de Gestão Hospitalar (DGH) no Rio.
Atualmente, Giliate Coelho Neto é médico na Clínica da Família Ricardo Lucarelli, no Catumbi, no Rio. Ele pediu exoneração do Datasus quando o deputado Marcelo Castro (PMDB) virou ministro da Saúde, no fim de 2015.
O e-SUS Hospitalar é um software de gestão hospitalar, de propriedade do Ministério da Saúde, voltado à informatização completa de um hospital – desde o controle de estoque até a prescrição médica, passando por todas as funcionalidades de um prontuário eletrônico. Ele está instalado em cerca de 15 hospitais hoje, inclusive os federais do Rio de Janeiro. O Ministério da Saúde, baseado numa interpretação equivocada de um acórdão do TCU, quer descontinuá-lo. Após ter demitido a equipe de desenvolvimento e suporte do software, o Departamento de Gestão Hospitalar (DGH) quer agora substituir o e-SUS hospitalar por um outro sistema de mercado.
O Ministério afirma que o TCU orientou tal mudança. Não é bem assim. O acórdão 3184/2016, citado pelo MS, elenca uma série de problemas no e-SUS hospitalar e determina ao MS: “promover a efetiva implantação das funcionalidades do sistema e-SUS Hospitalar ou de outro sistema de gestão ERP” (item 9.1.1). Ou seja, o TCU coloca duas possibilidades para resolução dos problemas.
O Ministério parece ter escolhido a segunda opção sem o devido embasamento técnico e econômico. Sem apresentar memórias de cálculo, o órgão se resumiu a dizer que sai mais barato utilizar um software de mercado cuja licença já pertence ao Ministério (e pagar a manutenção e suporte), do que bancar o desenvolvimento do e-SUS Hospitalar. Este argumento é frágil, pelas seguintes razões:

1- O e-SUS Hospitalar pode ser utilizado, gratuitamente, por qualquer hospital público ou filantrópico do Brasil, o que não ocorre com o software de mercado que o Ministério quer implantar nos hospitais federais. Ou seja, o Ministério quer tentar resolver o seu problema e deixar centenas de hospitais no Brasil sem possibilidade de software público e gratuito;

2- O maior problema técnico do e-SUS Hospitalar apontado pelos auditores do TCU, a ausência de um módulo financeiro, já está em vias de ser resolvido. O módulo foi desenvolvido pelo DATASUS e se encontra em testes há mais de 6 meses em um dos hospitais.

3- A licença do software de mercado que o Ministério/DGH possui é válida para uma versão antiga do mesmo, dando pouca ou nenhuma autonomia para realizar customizações e melhorias que se imponham como necessárias no aperfeiçoamento da atenção hospitalar do SUS

4- Já se foi gasto mais de 30 milhões de reais no desenvolvimento do e-SUS Hospitalar, de forma a adequá-lo às necessidades de gestores locais, profissionais de saúde e órgãos de controle. Foi realizado estudo de economicidade para embasar a decisão de abrir mão deste investimento já realizado?

5- É importante existir uma opção pública de software hospitalar no mercado, que acaba por produzir uma regulação eficaz e saudável nos preços praticados.

Mesmo que seja realizado um estudo técnico bem embasado e se chegue à conclusão que o melhor caminho é a contratação de uma solução no mercado, existe ainda um outro problema, não menos grave, relativo à forma de contratação. O fato do Ministério da Saúde possuir a licença gratuita do software não o exime de fazer uma ampla pesquisa de mercado e provavelmente um processo licitatório. Isto porque provavelmente existem outras soluções gratuitas hoje no mercado, cujo custo se concentra na prestação de serviço referentes a implantação e suporte. Esse modelo de negócio é hoje uma tendência no mundo.
Por tudo que foi apresentado, não parece ter sentido algum o Ministério da Saúde abandonar do e-SUS Hospitalar e deixar milhares de municípios, num momento de crise financeira do país, com a única opção de contratar uma solução no mercado caso desejem informatizar seus hospitais. Na prática, a informatização do SUS, que já está atrasada, ficará ainda mais difícil de ser efetivada.

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