Linda flor

padreorivaldoNesta semana, explicando sobre atendimento preferencial, a jovem funcionária quis saber se eu tinha 60 anos. Devolvi-lhe um sorriso de indulgência. Não me senti lisonjeado. Acho que ela quis ser delicada. Ou sentiu pena de mim. Não precisava. Não tenho problema com idade. Impossível esconder o estrago que os anos fazem. Inútil simular mocidade que não temos mais. Além de que certos fatos revelam o que vivemos. Como a entrevista de Paulo Roberto Pereira de Souza, ex-reitor da UEM, que li nestes dias. Reavivou-me uma enxurrada de lembranças.
Conheci Paulo Roberto em 1967, estudante no Gastão Vidigal, onde eu lecionava, mas não para sua turma. O Gastão reunia um quadro de professores admiráveis. A exemplo de Ary de Lima e Aniceto Matti, autores de letra e música do Hino a Maringá. Ou Darcy de Carvalho, José Hiran Salée, Walter Pelegrini, Renato Bernardi, Leila dos Santos, Ester Gonçalves, Henrique Ortêncio, Antônio Carlos Braga… Esses e dezenas de outros, já na casa do Pai. Sobreviventes, apenas septuagenários. Como eu, que nunca me senti admirável.
Paulo Roberto falou do eixo monumental de Maringá. Em 1958 ele ainda ia da Catedral ao estádio. Só. A Catedral era uma desajeitada igrejola de madeira. A rodoviária, uma praça imunda com uma caixa d’água na qual se espatifou um avião de acrobacias, em 10 de maio de 1957, 10º aniversário da cidade. O estádio, incipiente praça esportiva que substituiria o campo do SERM, no Maringá Velho. Rente a ele, a “oficial”, como chamavam uma BR 376 larga, ainda em terra; no trecho urbano seria a Avenida Colombo de hoje. A UEM nasceria no final dos anos 60 por obra do prefeito Adriano Valente.
Lembro um doutor Adriano presente, todos os domingos, à minha missa das 18h, na Catedral de madeira. Quando me via na rua, repreendia-me de brincadeira: “Pare de apontar esse dedo na minha direção. Parece que você faz a pregação só para mim”.
Deliciosas lembranças de uma Maringá provinciana. As pessoas eram amigas, conheciam-se e conversavam sem rebuço. Ninguém se considerava mais importante que ninguém. Os mais velhos, hoje, temos saudade. Os jovens riem de nós.
Na entrevista o ex-reitor da UEM queixou-se do abandono a que relegaram o planejamento original de Maringá. Não tenho competência para julgar. Também não sustento vínculo político-partidário de nenhuma coloração. E nada entendo de arquitetura ou de urbanismo. Disponho somente de olhos para ver e de cachola para pensar. Além de um coração molenga, que ama de paixão esta cidade que vi, pela primeira vez, de passagem, no fim de 1957. Acompanhei-a emergindo do mato, do barro e da poeira. Parece que um brilho falso a seduz e a leva, agora, a repudiar suas origens.
Não me venham com a balela do progresso irrefreável. Da omelete que exige a quebra dos ovos. Progresso que suga, polui e devasta? Ostentação de abastados, exclusão dos pobres, violência de todo tipo, espigões subindo às nuvens, carros ocupando todo espaço de solo… E numa cidade pensada para oferecer o diferencial da melhor qualidade de vida! Quem imaginava que a praga da especulação imobiliária causaria tudo isso?
Ah, poeta Ary de Lima, cadê as belezas que Deus espalhou? A bênção do mato, o perfume das flores, a poesia dos ninhos? Viu o que fizeram com sua linda flor, a mais gentil do Norte do Paraná?

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