As laranjas do meu pai e a sanha da ditadura

Era 18 de julho de 1972. Dia do meu aniversário. Eu apoiava a mão direita na perna do meu pai, que se encostava ao batente da porta. Morávamos numa velha casa de madeira coberta por aquelas telhas antigas. De repente, surgiram dois caminhões basculantes cheios de homens de roupas verdes. Eram soldados do Exército.

Desceram e adentraram ao pomar. A gente morava num sítio. Meu pai era meeiro. Cultiva café, arroz, feijão e milho. O pomar era para o consumo da família. Ele e meus irmãos limpavam a área. Os pés de laranja baiana e pera chegavam a desgalhar de tanto frutos. Menino, eu gostava de subir lá e apanhar as dos galhos mais altos. Eram maiores e mais doce.

Os homens verdes desceram, não disseram nem bom dia, era de manhã, e subiram aos pés de laranja. O vizinho, do sítio ao lado, chegou apressado. Esbaforido, ele disse ao meu pai que ficasse quieto. Aqueles homens eram do Exército e podiam prendê-lo, se falasse alguma coisa.

Meu pai ficou boquiaberto. Sem reação. Em pouco tempo, haviam apanhado quase tudo dos 20, 30 pés de laranja. Puseram nos caminhões. Subiram na carroceria e foram embora. Sem dizer nada. Só mais tarde, vim saber que estávamos numa ditadura civil/militar. As coisas funcionavam assim. Não havia lei. Se quisessem tomavam até a casa da gente.

Essa foi uma experiência que tive com os anos de chumbo. Meu pai tinha medo do comunismo. Ouvinte da Rádio Aparecida, repetia o que o padre Vitor Coelho de Almeida dizia sobre Cuba. Para aquele sacerdote, Cuba era um país de ateus.
Do jeito que pintavam o bicho, eu também tinha medo do comunismo. Diziam que em Cuba crianças eram separadas dos pais. Aquilo me deixava de pernas trêmulas. A palavra que valia era a do padre, que sempre falava bem do governo e mal do comunismo.

Outra imagem militar que ficou em minha memória vem do dia 22 de outubro de 1987. Na época, eu morava em Apucarana. Estava perto da Prefeitura. Alguns caminhões do Exército pararam no Paço Municipal. Um coronel adentrou ao prédio acompanhado pelos soldados e entregou uma carta a um assessor do então prefeito Carlos Roberto Scarpelini.

O protesto reivindicava ao governo federal aumento de salário aos militares. Mas assustou, e muito. O coronel e os soldados ficaram menos de cinco minutos no prédio, mas foi o suficiente para alarmar a cidade. Os vereadores se reuniram e fizeram inflamados discursos contra uma possível volta da ditadura civil/militar.

Um dos mais indignados era o então vereador e professor Benedito Cândido da Silva. Em emocionado discurso, dizia que não queria a volta dos militares. Era no Governo Sarney, estava tudo muito recente na memória.

Não vivenciei a ditadura civil/militar, mas esses pequenos episódios revelam que era um tempo de medo. Insegurança. Incerteza. Não havia direitos. A maioria das autoridades se sentia poderosa e por qualquer coisa prendia e arrebentava. Que possamos refletir nos 50 anos do golpe de 1964.
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(*) Airton Donizete, jornalista em Maringá

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